15.2.22

ainda sobre a violência numa relação

Existem vários pontos que destaco na violência numa relação. O primeiro, e dos mais graves, é a ligação que se faz ao físico. Para muitas pessoas a violência envolve, por exemplo, uma chapada. Isto sim, é violência numa relação. O resto é apenas um acessório. Se não existem marcas físicas evidentes é porque a violência não está lá.

Depois, destaco o lado masculino. Que tem que ser dito. Muitos homens não têm a capacidade de se colocar no papel da mulher numa relação. Ou porque são (ou acham que são) dominantes. Ou porque acham que elas devem ser submissas. Ou por outro motivo qualquer. Os homens tendem a desvalorizar aquilo que as mulheres passam. Afinal, e volto ao ponto anterior, não se passou nada demais pois ninguém levou uma chapada.

E isto é grave. Tudo isto é grave. Longe de mim, muito longe mesmo, desvalorizar uma chapada ou um agarrão. Mas essa marca pode ser muito pequena quando comparada com uma extenuante violência psicológica. Uma manipulação constante. Que leva a pessoa a pensar que nada vale. Que não presta mesmo. Que nunca será nada sem a companhia daquela pessoa “maravilhosa” que está ao seu lado. Pressão, medo, ameaças conseguem ser o prato do dia de muitas relações.

Por isso, acho que chegou o momento de se falar de todo o tipo de violência. E não apenas da física. E os homens, que acham tudo normal, podem experimentar colocar-se no papel da mulher numa situação de violência. Olhar para qualquer caso e pensar: se fosse comigo, gostava? Devo confessar que também me assusta a forma como algumas mulheres (que sei que vivem em relações conturbadas ou viveram) olham para casos como o mediático de Liliana com um simples “não é nada de anormal”.

Agora, vou partilhar uma história.

Era uma vez um jovem no final da sua adolescência.
Que matinha uma relação com mulher mais velha. Não muito mais, mas mais velha.
Numa festa de carnaval decidiram ir a uma discoteca. Ele mascarado de freira sexy, com um vestido que tinha uma grande racha numa das pernas. Ela com um fato que acaba por se perder no relevo da historia.
Estão a dançar. Tudo corre bem. Ele decide subir para uma coluna para dançar uma música de que gosta. Ela não quer ir. A música acaba e ele tem dificuldades em descer. Tal como já tinha tido para subir. Tudo por causa da roupa.
Uma mulher dá-lhe a mão e ajuda-o a descer. Ele agradece e segue o caminho até perto da namorada.
E começa um triste espectáculo. Com coisas do género. “Aquela gaja estava a meter-se contigo”, “estavas a fazer-te à gaja” e por aí.
O volume sobe de tom. E começa a destacar-se. Mesmo numa discoteca barulhenta.
Ela faz cada vez mais barulho.
Ele já passou a parte do “estás a fazer filmes na tua cabeça” e tenta apenas acalmá-la.
Entende que o melhor é saírem da discoteca. Nem que seja para falarem sem ruído e espectadores indesejados.
A ideia que parecia boa transforma-se num pesadelo maior.
Ela grita mais.
Ela grita cada vez mais.
E o pior está quase a chegar.
“Deixa-me que vou atirar-me ao rio”.
Este é o ponto chave para um peso psicológico bastante violento que nenhum adolescente deve carregar.
Por mais que acredite que não irá acontecer, fica a pensar se irá acontecer ou não.
“E se acontece?”
“O que fiz de errado.”
A preocupação dele passa em não a deixar até que entre num táxi para ir para casa.
Algo que acaba de acontecer.

Esta parte final, no exterior da discoteca, é testemunhada por muitas pessoas. Que olham para o homem como sendo o agressor. Como sendo o culpado daquele ataque de fúria. Os olhos revelam tudo isso.

Mas ele era apenas um adolescente, vítima de um ataque doentio de ciúmes de uma pessoa que dizia gostar de si. E com quem nunca mais quis falar. Apesar das dezenas de telefonemas seguidos que acabaram por ser atendidos por outra pessoa. Que pediu para que não voltasse a ligar.

Fica ao vosso critério perceber se isto é real. Se aconteceu com alguém. Ou se criei este episódio para tentar mostrar que a violência não precisa de ser física para ser marcante e dolorosa. Por isso, está na hora de abordar este tema. Para o bem de todos. Adolescentes, adultos, homens, mulheres, todos.

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