13.1.15

sobre a liberdade de expressão (e outras coisas)

Ao longo dos últimos dias falou-se da liberdade de expressão como nunca se tinha falado. O ataque terrorista ao semanário Charlie Hebdo fez com que o mundo debatesse com uma intensidade pouco comum a liberdade de expressão. E a generalidade das pessoas defende que todos devem ter a possibilidade de expressar a sua opinião sem que sejam atacados por essa partilha de ideias diferentes das de outras pessoas. Este tem sido o discurso ao longo dos últimos dias.

Algumas pessoas que defendem isto estão a criticar Jorge Costa porque o treinador português votou primeiro em Messi e só depois em Cristiano Ronaldo na eleição do melhor jogador do mundo. Afinal, onde está a liberdade de expressão? Ou será que ser português obriga uma pessoa a votar e gostar de outra apenas e só porque é português? Acho que as pessoas confundem orgulho nacional com uma qualquer obrigatoriedade que não tem de existir. As pessoas não são obrigadas a gostar deste ou daquele apenas porque é português. Até porque, se assim fosse, também Cristiano Ronaldo teria de ser criticado por ter votado em Carlo Ancelotti, Joachim Low e Diego Simeone para melhor treinador do mundo, ignorando o português José Mourinho, uma pessoa com quem já teve diversos atritos.

Defendo que o orgulho nacional é de salutar. Devemos estar gratos, enquanto portugueses, a Cristiano Ronaldo por levar o nome de um pequeno país a todos os sítios do mundo. Ontem, Portugal foi notícia mundial por boas razões e isso deve-se a Cristiano Ronaldo e à sua conquista. Agora, isto não implica que tenha que se amar o jogador apenas porque é português. Tal como não implica que as pessoas tenham de ir para a rua aos pulos festejar a conquista de Cristiano Ronaldo. Ontem, alguns canais estavam indignados com a falta de pessoas nas ruas do Funchal para festejar a conquista. É uma conquista pessoal que deve ser valorizada. Acredito que os portugueses ficaram contentes com a conquista. Mas isso não implica ir para a rua festejar.

Surgiu mais um tema no rescaldo da conquista da terceira Bola de Ouro de Cristiano Ronaldo. O jogador português é ou não o melhor jogador de todos os tempos? Uns defendem que sim. Outros dizem que não. Eu considero injusto e incorrecto comparar Cristiano Ronaldo com Eusébio, Pelé ou mesmo Maradona. E acho que quem o faz revela desconhecimento em relação ao que era o futebol naquele tempo e aquilo que é actualmente. 

Por exemplo, hoje existem chuteiras para os jogadores velozes. Existem outras para os tecnicistas que gostam de ter a bola colada à bota. E mais umas para aqueles que gostam de rematar. Entre tantas outras, todas com as melhores tecnologias e com pesos semelhantes ao de uma folha. Na altura de Eusébio e Pelé não havia nada disso. Os equipamentos hoje são cheios de tecnologias que permitem um melhor rendimento. Na altura não existia nada disso. As bolas são leves. Na altura eram pesadas. Hoje existem substituições. Na altura só podiam jogar onze. Muitas vezes arrastavam-se aleijados porque não podia haver uma troca.

Saindo do campo. As pessoas fazem ideia das tecnologias que são usadas para recuperar um jogador fisicamente depois de um jogo? Imaginam a quantidade de pessoas que só tratam disso num clube? Têm ideia de que existem atletas que dormem em máquinas que simulam que estão a dormir a mais de sete mil metros de altitude? Já para não falar da metodologia de treino que é cada vez mais avançada. E o que existia naquela altura? Nada disto! Talvez banheiras com gelo e massagens. Muito mais do que isto não devia existir.

Por isso, acho que não se pode comparar aquilo que existe hoje com aquilo que existiu. Ninguém sabe quanto valiam Eusébio, Pelé e até Maradona com as tecnologias actuais do futebol moderno. Tal como não se sabe se Cristiano Ronaldo e Messi seriam o que são naquele tempo em que os defesas não tinham problema em partir uma perna a um avançado e onde não existiam grandes tecnologias e metodologias de treino e recuperação física. Dizer que Cristiano Ronaldo é o melhor jogador desta “era moderna” é algo aceitável. Dizer que é o melhor de sempre é errado porque não existe comparação possível entre as duas realidades. E provavelmente daqui a umas décadas vai estar a debater-se se os jogadores xpto e o yz não são muito melhores do que Cristiano Ronaldo e Messi. Esse será o rumo natural da evolução da modalidade que praticam.

18 comentários:

  1. "Algumas pessoas que defendem isto estão a criticar Jorge Costa porque o treinador português votou primeiro em Messi e só depois em Cristiano Ronaldo na eleição do melhor jogador do mundo"
    O que me custa compreender é que as pessoas não percebem que liberdade de expressão também é criticar as opiniões dois outros. Claro que o Jorge Costa pode opinar sobre o que quiser. E claro que as pessoas têm o direito de o criticar pelas suas opiniões. É uma estrada de dois sentidos bolas. O que não pode acontecer é ele ser morto ou atacado pela sua opinião.
    Idiotas como o Gustavo não sei quantos pode dizer as barbaridades que quiser sobre o ataque à revista. E as pessoas têm o direito de o enxovalhar publicamente pela porcaria que ele disse (foi o que aconteceu).
    Custa-me muito que um jornalista não perceba isto. Liberdade de expressão não é só mandar opiniões, é saber receber críticas por elas.

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    1. Percebo o que dizes. O que não significa que tenha de concordar. A opinião de Jorge Costa foi feita através de voto. Que foi tornado público porque a Fifa quer tornar a votação mais transparente. Falas em ataque mas não se se te referes ao ataque físico. As podem podem criticar Jorge Costa. Podem também achar curioso que um português não vote num português. Isto é uma coisa. Outra é defender que tem a obrigação nacional de votar em Cristiano Ronaldo. Porque isso não é verdade. E eu não concordar com a opinião de terceiros não me dá o direito de rebaixar essa pessoa. Pelo menos na forma como encaro a vida.

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    2. Não é a questão de encarar a vida, é a questão de liberdade de expressão. Desde que não haja difamação, ataque físico, ou qualquer outro tipo de crime, qualquer pessoa é livre de criticar a opinião da outra.
      Volto à opinião do Gustavo: ele disse num post que os jornalistas do Charlie Hebdo deviam ter tido cuidado. Eu tenho o direito de dizer que o post dele é absurdo e é a opinião dele é estúpida. E ele pode responder-me. É assim que funciona

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    3. É assim que funciona contigo. Não tem de ser com todas as pessoas porque nem todos somos iguais. A liberdade passa também por respeitar as diferenças dos outros sem necessitar de recorrer a uma violência verbal. Não estou a dizer que é o teu caso só te estou a dizer que nem todas as pessoas têm de lidar com as situações como tu ou como eu.

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    4. Eu estou a falar da liberdade de expressão enquanto direito que está na constituição, não estou a falar do que é para mim. Estou a falar do que é para todos.
      Liberdade de expressão é a liberdade de dizer o que se quiser sem ter medo de se ser preso, atacado fisicamente ou morto. E esta liberdade é uma estrada de dois sentidos, podendo uma opinião OU pessoa ser criticada pela sua própria opinião. A liberdade de expressão continua a existir quando uma opinião é desconstruída, criticada e enxovalhada. E, outra vez, não é como eu vejo a liberdade de expressão. É assim a lei.

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    5. Não estou a colocar em causa o que dizes. Não estou a falar de leis. Só estou a dizer que nem todas as pessoas, quando não concordam com alguém, partem para a agressão verbal. Existem dezenas de formas de mostrar que não se concorda com uma opinião. E existe um exercício muito bom que pode ser feito. Tendo em conta as pessoas que, por exemplo, deixam comentários com as mais variadas ofensas nos sites das mais diversas publicações. Será que cara a cara com o alvo dos seus protestos partiam para a agressão verbal? Ou será que revelavam a sua opinião de uma forma menos agressiva?

      Não coloco em causa leis. Só defendo que nem todas as pessoas revelam ser contra uma opinião da mesma forma. E isto nada tem a ver com leis. Tem a ver com a forma de ser dessa pessoa.

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  2. NADA (epa, eu gosto de salientar isto...) justifica matar só porque sim... Como disse o anónimo, e bem, a liberdade de expressão é uma estrada de dois sentidos, mas NADA me dá o direito de conduzir em contramão só porque não gosto da cor do carro que vem nesse sentido.

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    1. Existem pessoas que confundem os conceitos. É como aquilo de ser livre mas ter de ter a noção de que a minha liberdade acaba onde começa a de outra pessoa.

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    2. A liberdade de expressão dá-te esse direito sim, desde que não infrinjas nenhuma lei (difamação, bater em alguém, etc.).

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    3. Anónimo, isso é contraditório... Então se eu não gosto da cor do carro que segue em sentido contrario ao meu, e eu, por isso, me atravesso à sua frente para o "abater", estou a infringir a lei, logo, nada me dá esse direito.
      Não sei se fui eu que me expliquei mal, ou fui mal interpretada. De qualquer das maneiras, a minha opinião mantém-se... Infringindo leis ou não, nada se resolve com mortes.

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  3. Não podia concordar mais contigo, eu sou da opinião que qualquer uma dos nomeados, era merecedor do prémio, não olho para o cristiano ronaldo como se fosse um deus, e acho um absurdo o tempo exagerado que a imprensa perde com este tipo de notícias, passaram o dia a falar do mesmo, quando há coisas realmente importantes a serem faladas e problemas a serem resolvidos.
    Mas são opiniões, esta é a minha.

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    1. O Ronaldo merece. Tal como merecia o Neuer e nem é isso que está em questão. É a aparente obrigatoriedade de um português ter de votar noutro português apenas e só por isso.

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  4. Adorei este teu post, porque distinguiste o futebol de há 50 anos do futebol actual.
    Parabéns ao CR, no seu tempo.
    Beijinho

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    1. É algo que as pessoas esquecem quando dizem que um jogador moderno é o melhor de sempre.

      Beijos

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