17.7.14

is this love? (capítulo dezoito)


Miguel permanecia sentado no chão. Com as costas encostadas à parede. E com a cabeça apoiada nos joelhos. As lágrimas eram cada vez em maior número. Apesar do barulho ensurdecedor do hospital, Miguel conseguia ouvir, com um estrondo muito mais sonoro do que o som mais audível do hospital, cada uma das suas lágrimas a bater no pavimento, onde acabavam por morrer. Pareciam blocos de cimento com toneladas de peso que eram largados do mais alto dos precipícios ao mesmo tempo que cada uma daquelas gotas parecia um pedaço da sua vida que o abandonava num reflexo do medo da morte das mulheres da sua vida.

A respiração ofegante e os soluços característicos de quem chora copiosamente permaneciam a um ritmo digno do mais rápido dos bólides que deslizam nas pistas de Fórmula 1. O inverso acontecia com cada batida do seu coração. Na realidade, o ritmo estava mais acelerado do que nunca. Mas essa realidade era imperceptível para Miguel. Para si, o coração estava prestes a parar. Ao mesmo tempo que cada batida, lenta e prolongada, se assemelhava a uma faca que era espetada no seu corpo. Para Miguel, o som das poucas batidas do seu coração tinham poder suficiente para fazer estremecer o hospital ao mesmo tempo que estilhaçavam cada um dos vidros do edifício.

Tudo isto fazia com que qualquer realidade que tivesse lugar naquele local fosse incompreendida por Miguel, que sentia o seu mundo desabar. Pela primeira vez na vida percebia o significado de ficar sem chão para andar, algo que já tinha ouvido algumas vezes mas que nunca tinha compreendido. Até que ouviu o seu nome ser chamado no intercomunicador do hospital. As lágrimas pararam nesse mesmo instante. Levantou-se e começou a correr sem direcção, procurando uma enfermeira, que acabou por encontrar no final do corredor. 

“Como está a minha mulher? Como está? Diga-me! Chamaram-me e quero saber como é que ela está”, dizia insistentemente, num tom de voz que não era o seu. “É o senhor Manuel?”, perguntou a enfermeira. “Não. Chamo-me Miguel e acabaram de chamar o meu nome. Como está a minha mulher?”, insistia. “Peço desculpa mas deve ter feito alguma confusão. Fui eu que falei no intercomunicador e chamei o senhor Manuel. Peço-lhe que aguarde mais um pouco, até que o chamem”, disse a enfermeira, não se mostrando muito afectada com o estado do homem que tinha à sua frente. Não por falta de compaixão mas uma defesa que tinha construído ao longo de anos a lidar com momentos menos positivos.

A energia que levou Miguel até à enfermeira desapareceu no momento em que teve a noção de que nunca tinha sido chamado. Que era apenas uma ilusão. Lentamente, passo a passo, arrastou-se até uma máquina de vending que vislumbrou no final do corredor. O caminho era curto mas Miguel conseguiu fazer dele uma maratona que parecia não ter fim.  Quando lá chegou, levou a mão ao bolso direito dos jeans velhos e rasgados, retirando as moedas que tinha consigo. Voltou a colocar o dinheiro no bolso, ficando apenas com uma moeda de um euro na mão. Moeda essa que introduziu na máquina para retirar uma garrafa de água. 

Sem grande atenção reparou que as águas estavas distribuídas por dois andares da máquina. E que nesses mesmos andares constava o número 23, que seleccionou. A máquina fez o tradicional barulho dos momentos em que entrega o produto. Num estado meio adormecido, Miguel levou a mão ao compartimento onde deveria estar a garrafa de água. Apalpou esse mesmo espaço que não tinha nenhum artigo para recolher. Não tinha reparado que o corredor 23 da máquina estava vazio e que tinha acabado de perder um euro. Para Miguel era a máquina que tinha defeito e não um erro cometido por si.

Num acto injustificiado de fúria deu um violento murro no vidro da máquina. A força foi tanta que o partiu, cortando-se na mão esquerda que começou imediatamente a sangrar perante o olhar de espanto das pessoas que estavam naquela zona. Pouco tempo depois aproximou-se uma enfermeira, a mesma com quem tinha estado anteriormente. “Está tudo bem?”, perguntou. Miguel começou a chorar. “Quero saber como está a minha mulher e a minha filha e ninguém me diz nada”, soluçou entre as lágrimas que escorriam pelo rosto. “Não se preocupe com os vidros. Já chamo alguém para os limpar. Acompanhe-me que vamos tratar dessa mão que tem um corte feio”, referiu. Miguel ficou sentado numa sala perto da porta onde Alexandra tinha entrado, deitada na maca. Recusava-se a afastar-se daquele local. “Calma, que vai correr tudo bem”, disse a enfermeira para o tentar acalmar, enquanto tratava do corte. “Nem lhe perguntei o nome”, disse Miguel. “Chamo-me Paula”, respondeu a enfermeira. “Obrigado pelo que está a fazer”, acrescentou.

Foi então que a porta se abriu.  À frente de Miguel surgiu um médico. “Miguel?”, perguntou. “Sim, sou eu”, respondeu sem esconder o medo que o consumia naquele que era o momento mais doloroso da sua vida. “Pode acompanhar-me, por favor”, disse com um ar sério. “Que se passa? Como estão elas?”, insistiu. “É melhor acompanhar-me”, respondeu o médico sem grande entusiasmo.

27 comentários:

  1. Nãoooooooo!!!!!!!!! esta angustia esta aflição!!!!! vais me deixar assim não sei quantas semanas mais!!! isto está como no tempo da minha avó e a rádio-novela (em Espanha) 1 vez por semana....... vai lá e treinas cedo e depois chop-chop toca escrever!!! quero mais!!! o desejo.... o desfecho.... bjo ;)

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  2. É pá.. juro-te que se tivesse uma caçadeira apontava-te à cabeça agora mesmo..

    MAIS DE UM MÊS À ESPERA DE UM CAPITULO E DEIXAS "O MENINO" À PORTA, CARAÇAS??!!

    É oficial.
    Odeio-te. Mau. Feio. Menino muito mau.

    TÁS DE CASTIGO.

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  3. Tenho acompanhado desde o início, e gosto muito, no entanto acho que os posts têm sido muito espaçados entre si, demasiado até, ao ponto de nos esquecermos.

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    1. Obrigado pela tua opinião. Quando escrevi o primeiro texto, era para ficar por ali. Não o escrevi a pensar nestes todos. Depois foram surgindo e a minha ideia era escrever um por semana mas nem sempre consegui. Umas vezes porque a minha vida não me dá o que preciso para escrever, outras por falta de tempo. Mas conto voltar, apesar de estar perto do fim, ao ritmo de um por semana.

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  4. e então? O resto? Eu choro e pelos vistos vou continuar a chorar como o miguel... que angustia :(

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  5. Bruno, tinha-te como amigo! Depois disto estás quase na minha lista negra. Então que isto se passou da seguinte forma:
    Finally, mais um capítulo! :)
    What! :O
    WHAT!!!!! :O :O :O
    Não se faz, isto não se faz!

    Uma pessoa fica assim... quer dizer história de amor, tudo muito bonito e tal e depois pumba levas com um abananço e depois suspense, suspense, suspense,...
    No mínimo um aviso grande a avisar que não próprio para pessoas com problemas cardíacos.
    Vou continuar a aguentar com o sofrimento, lá terá de ser! :)

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    1. O cenário "final" está em aberto. Podem acontecer muitas coisas... :)

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  6. Bruno :O eu não acredito.... isto foi "tirar o doce da mão do menino". Como é que depois desta angustia toda tu me deixas o Miguel sem saber de nada???? Não poooooooooode.

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    1. Tenho uma ideia mas nem eu ainda tenho a certeza do que vai acontecer ao Miguel...

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  7. E ficamos apenas pelo "é melhor acompanhar-me"???? O resto? Que nervos!!! :)

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    1. Tenho de aguardar né? Mas que enerva enerva!!! :)

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    2. Desculpa! Queria ter escrito ontem mas da próxima semana não passa :)

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  8. Meu grandessíssimo homem sem blogue, how dare you??? Nao posso crer q nos deixaste assim pendurados!!!!! :( :)
    Belicha Machado

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  9. Descobri hoje esta história, num dia que não é particularmente bem disposto. Li todos os capítulos de enfiada e alternei com o choro e os risos.

    Continua, por favor. E faz-nos acreditar que a vida real também pode ser um sonho bonito.

    Rita Leston

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    1. Espero que os problemas de hoje desapareçam no momento em que o sol se for deitar e a noite chegar. Espero que amanhã seja um dia melhor.

      Fico feliz que tenhas gostado e não duvides de que a vida é um sonho bonito. Pode ser pintado com algumas nuvens mas sempre bonito.

      Obrigado Rita.

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    2. Pode sim. Basta querer - parece um chavão, mas passa muito por aí - e os dias passam a ter cor :)

      Eu sei que escrever não é assim só quando se quer ou deve, mas despacha-te com desenvolvimentos por aqui :p

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    3. É uma chavão mas é uma grande verdade :)

      Para a semana conto desenvolver ;p

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    4. Acho que li isso em todos os capítulos :p hehehheh

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  10. Epaaaa.... Há coisas que batem forte cá dentro a ler isto, f*da-se...

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  11. oh pá!!!!! acabei de ler os capitulos todos de rajada e deixas-me assim nesta angustia??? Não se faz....Quando sí o proximo? Parabens :)

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    1. Ainda bem que gostaste. Fico muito feliz :)

      Era para ter sido ontem mas não passa da próxima semana!

      Obrigado

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