18.10.13

agora escrevo eu #18

O que queres ser quando fores grande? Esta é “A” pergunta que se faz a todas as crianças. Muitas vezes, esta questão traz água no bico. Porque alguns adultos têm vontade de influenciar a resposta, esperando que os petizes digam que querem ser médicos ou engenheiros. Porém, a melhor resposta que pode ser dada é “quero ser feliz.” Afinal, a felicidade é a base de tudo. Como a Célia Mateus explica muito bem neste texto fantástico que traz de volta a rubrica Agora Escrevo Eu. Recordo que esta iniciativa não tem data limite para acabar. Os interessados podem continuar a enviar os textos para homemsemblogue@gmail.com com agora escrevo eu no título.

“O que queres ser quando fores grande? Eu? Eu quero ser Feliz!

Lembro-me bem de em pequena ser bombardeada pela minha família com a mesma pergunta: “O que queres ser quando fores grande?” Esta pergunta cansava, principalmente porque a minha família era grande demais, primos demais, tios demais e todos se encontravam ano após ano, no Natal, na Páscoa, pelos anos da avó, pelos anos do avô, pela matança de um porco, para vindimarem juntos, enfim sempre.

Depois de pensar seriamente sobre o assunto, achei que com 9 ou 10 anos ainda não sabia bem o que queria da vida. Mas tinha uma certeza absoluta e inquestionável: queria ser feliz, arranjar alguém que me amasse e ter filhos para amar e cuidar. Isso para mim já era o auge da felicidade. O resto viria por acréscimo. Não pensava na profissão, certamente arranjaria algum trabalho que gostasse, havia tanta coisa para fazer, também nunca fui muito ambiciosa e não desejava ganhar rodos de dinheiro para comprar tudo e mais alguma coisa.

Ao contrário de mim, a minha prima mais velha tinha as suas ambições e prioridades bem definidas desde cedo. Queria ser advogada, queria poder mostrar aos outros o quanto tinha chegado longe na vida. Um marido? Se fosse rico ou estivesse no bom caminho para o ser. E sonhava com aquilo que o dinheiro lhe podia comprar, uma bela casa, uma casa de férias, viagens pelo mundo inteiro.

Assim, nas alturas do Natal e da Páscoa, lá vinham as visitas intermináveis e a fatídica pergunta: “O que queres ser quando fores grande?” A minha prima muito pronta a saltar, para fazer sobressair a sua determinação, dizia num ápice - “Advogada”. “Muito bem”, respondiam-lhe, “Vais ser certamente uma brilhante advogada. E tu Célia?” Eu? Eu quero ser Feliz, pensava, mas não ousava dizer esta frase, pensariam que era uma cabeça oca, que não sabia o que queria da vida e respondia então com um tímido “Eu ainda não sei.” Devo dizer que os olhares acusadores que me lançavam diziam tudo, tipo, esta tonta não há-de ser ninguém na vida, enquanto a outra tem futuro.

E a mesma lenga lenga continuou pela minha vida fora e eu na minha indecisão, excepto na minha certeza inabalável de ser feliz. Ainda eu não tinha concluído o 9º ano e já andava metida em testes psicotécnicos, que os meus pais teimavam em fazer para descobrir ali uma profissão de futuro, que pudesse rivalizar com a da minha prima. Mas os testes revelavam aquilo que sou, uma alma sensível, pouco dada a conflitos, muito voltada para as artes, para as letras. Recordo-me da tristeza dos meus pais, por acharem que eu nunca seria alguém na vida. Mas ter um trabalho honesto, não me meter em drogas, casar com um homem de bem, não seria suficiente? Bem, para os meus pais não era, mas conformaram-se. Voltaram-se para o meu irmão, queriam que ele fosse Oficial da Marinha e ele seguiu Engenharia Química. Mais uma vez, conformaram-se, “é a vida diziam eles”. Esta atitude dos pais quererem viver a vida pelos filhos e dar-lhes a melhor vida possível é compreensível, mas muito desgastante para os filhos.

Acabei por tirar o curso de Ciências da Comunicação e especializei-me em Relações Públicas e fui sempre feliz nas minhas escolhas ao longo da vida (umas mais outras menos, claro), casei com um homem maravilhoso e tenho um filho lindo. É verdade que não tenho muito dinheiro, não tenho casas de férias, nem carros de luxo e não faço viagens de sonho porque o dinheiro não estica, mas sinto-me muito feliz com a minha família e a minha vida.

Sinceramente, acho que até fui muito ambiciosa, porque encontrar alguém que nos ame, com os nossos defeitos e qualidades, ter um filho com saúde e ter prazer em viver a vida ao lado deles, seja no nosso jardim ou no outro lado do mundo, acredito que é uma ambição que nem todos conseguem alcançar.

Por isso não tenham medo de ser felizes e de estar bem com quem estimam e gostem. Afinal e vida não é isso, amar e viver?

PS: Curiosamente eu e a minha prima tivemos apenas um filho cada. Eu tive um rapaz, imagine-se, determinado, sabe muito bem o que quer e que desde os 4 anos tem a ideia fixa de ser piloto de aviões, mas sei que quando mudar de ideias vai ser tão convicto como agora. A minha prima teve uma filha, doce, querida, sensível, mais voltada para as artes e que ainda não escolheu o seu caminho. A vida tem destas voltas e a genética familiar é mesmo muito forte não é?”

Célia Mateus  

2 comentários:

  1. Texto muito interessante :) Eu penso o mesmo... e há quem diga que sou pouco ambiciosa...

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